segunda-feira, 25 de julho de 2011

Marcelo Jeneci








365. Copo D'Água ( 31 de dezembro de 2010 )
Por Leonardo Davino

"A gente é feito pra acabar (...) pra caber no mar e isso nunca vai ter fim". Os versos da canção que dá nome ao disco Feito pra acabar (2010), de Marcelo Jeneci, traduzem um desejo que atravessa todas as canções: roçar a vida com os diferentes e diversos cíclicos extratos sonoros que ela oferece, sem pseudos experimentalismos que tentam negar o fim das coisas.

Com mirada aguda na canção popular AM e FM, Marcelo montou um disco que consagra o canto simples, brejeiro, mulato, mas por isso mesmo mestiço, malandro e antenado com os recursos modernos. Dito de outro modo, Jeneci não tenta, nem quer, "reinventar a roda". Seu gesto cancional é o de iluminar momentos e movimentos da canção: ilumina-los para que o ouvinte os recebam de forma direta e simples. Com melodias passíveis de ser assobiadas por qualquer um, Jeneci busca o sim do som. E seu prazer em fazer canção é contagiante.

Eis a sofisticação do trabalho de Marcelo Jeneci: restituir-nos (aos ouvintes de canção popular) o prazer de assobiar uma melodia. Algo que tornou-se raro por longo tempo. Aliado a isso, os sujeitos de suas canções agem muito próximos de nós: brincam com nossas experiências cotidianas. É assim, por exemplo, com o sujeito de "Copo d'água", de Marcelo Jeneci, Arnaldo Antunes, Pedro Baby e Chico Salem.

Em "Copo d'água", temos um sujeito às voltas com os desejos e os ciúmes das relações amorosas na era das "ferramentas de sociabilidade". Nas "novas" relações é cada vez mais comum cobrar (ou ser cobrado) o porque de manter-se com o status de "solteiro" no orkut; perguntar (ou ser perguntado) sobre aquela pessoa que manda recado via twitter; o porque de ter sido marcado na foto de alguém no facebook; ou por não saber o que dizer quando se "flagra" (ou se é flagrado com) pedidos de atenção no msn e o "eu eu eu (...) ãh ãh ãh" do instante denuncia.

A canção "Copo d'água" tematiza a insegurança em tempos de amores líquidos, mas recusa a fragilidade dos laços humanos (detectada e analisada por um sujeito que vive experimenta tal situação). Para o sujeito da canção, além de estar conectado ao(s) outro(s) é preciso ter vínculo. E ele aponta os vínculos já estabelecidos e importantes para configurar a relação cantada.
O sujeito da canção se argumenta elencando os objetos (elementos-de-si) que só o outro pode manipular: "o meu cabelo, jeito, cheiro, dedo, pele no seu orkut, e-mail, skype, net, messenger", diz.

Ele joga com as categorias quente (cheiro do corpo) e frio (tela do micro), mostrando ao outro onde está o desejo e em qual direção ambos devem investir a energia erótico-amorosa. Afinal, "quando um não quer os dois não fazem tempestade em copo d'água".

"Você é a pessoa que eu quero pra mim", diz o sujeito ao ritmo de uma melodia pop: liberto (sobreposto às dificuldades de amar o próximo) das neuras e certo da "sua roupa, bolsa, escova, lenço, maquiagem na minha cama, quarto, sala, até na minha tatuagem".

O sujeito sugere que no peito dos internautas também bate um coração: os perfis e as máscaras "sociais" espalhados em orkuts, twitters, facebooks tem algo de orgânico: espelham o desejo do indivíduo por trás de tudo. E o desejo dele é ela: feitos para acabar juntos.

Copo D'Água
(Marcelo Jeneci / Arnaldo Antunes / Pedro Baby / Chico Salem)

Eu, eu, eu
Eu não disse nada
Por que essa cara?
Você quer atenção

Ãh, ãh, ãh
Ãh, até parece
Que não me conhece
Como a palma da sua mão

O meu cabelo, jeito, cheiro, dedo, pele
No seu orkut, e-mail, skype, net, messenger

Quando um não quer os dois não fazem
Tempestade em copo d’água

Sem, sem, sem
Sem nenhuma mágoa
É só uma palavra…

Sim, sim, sim
Vamos ficar numa boa
Você é a pessoa
Que eu quero pra mim

A sua roupa, bolsa, escova, lenço, maquiagem
Na minha cama, quarto, sala, até na minha tatuagem

Quando um não quer os dois não fazem
Tempestade em copo d’água

Nota: Leia outras 364 canções comentadas, de diversos conpositores, no blog Vozes Brasileiras.

[ Fonte: 365cancoes.blogspot.com ]

[ Editado por Pedro Jorge ]

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